domingo, 24 de outubro de 2010

Contos de La Fontaine

" Indivíduos imaturos gostam das pessoas não por aquilo que elas são, mas por aquilo que elas os fazem sentir. A adulação é um porta escancarada para o favoritismo, mas muito estreito para aqueles dotados de autoconfiança. A vaidade é a ostentação dos que procuram lisonjas, ou a ilusão dos que querem ter êxito diante do mundo, e não dentro de si mesmos."
Fábula : O Corvo e a Raposa

No alto de uma árvore, um corvo
segurava no bico um pedaço de carne.

Uma raposa, atraída pelo cheiro,
aproxima-se e lhe dirige a palavra:

- Eí! Bom dia, senhor corvo! Como
o senhor está lindo! Como é bela a
sua plumagem! Se o seu canto for tão
bonito quanto ela, sinceramente, o
senhor é a fênix dos convidados destas
florestas.

E para mostrar sua "melodiosa" voz, ele
abre o grande bico e deixa cair a presa.

A raposa se apodera da carne e diz ao
corvo:

- Meu bom senhor, aprenda que todo
adulador vive à custa de quem o escuta.

Esta lição vale, sem dúvida,
pela carne que agora comerei.

O corvo, envergonhado e aborrecido,
jurou, embora um pouco tarde, que
nunca mais se deixaria levar por elogios.

A Teia da Adulação

Indivíduos imaturos gostam de pessoas não por aquilo que elas são, mas por aquilo que elas os fazem sentir.

O elogio é um dos mais fortes aliados da sedução, é algo de que se serve frequentemente na "arte da adulação" para atrair e conquistar coisas ou pessoas. Lisonja é a expressão acentuada que emoldura reais ou fictícias qualidades, ações ou feitos de alguém, utilizando dissimulação dos próprios sentimentos, intenções, desejos. A função primordial da lisonja é evidenciar qualidades que não existem.

A partir do momento em que se busca algo, a sedução poderá ocorrer. Inicia-se de modo capcioso o processo de atrair direcionado aos pontos vulneráveis de alguém. Quase sempre provoca nele uma reação de grande prazer, sensação de deslumbramento, encanto e fascínio ao exaltar uma suposta qualidade sua.

Adular é exaltar de forma exagerada os feitos ou o modo de ser de um indivíduo para a obtenção de favores e privilégios. A adulação é a capacidade de convencer com artimanha, persuadir com astúcia, sob promessa de vantagens, aplausos e engrandecimento, pessoas submissas à vontade de outrem ou dependentes da opnião alheia.

Existem várias formas de magnetizar utilizando a teia da bajulação, e são inúmeras as táticas da sedução. Vão desde pequenas expressões e entonações especiais ao se movimentar o corpo, mãos e braços até ao se pronunciar uma breve frase aparentemente sem intenção. Analisados nas entrelinhas, tais procedimentos revelarão um intuito ardiloso, imperceptível de imediato, mas altamente arrebatador.

Como esse jogo de sedução, ou melhor, essa estratégia psicológica se processa em nossa intimidade?

O primeiro requisito para a compreensão desse procedimento é avaliarmos o grau de persuasão ou intencionalidade do sedutor, pois é ele que determina a força e a intensidade que serão lançadas à criatura suscetível à sedução. E o segundo requisito é admitirmos a suscetibilidade do seduzido, porque este indivíduo deslumbrado tem em sua intimidade uma tendência ou predisposição para ceder a esse tipo de influência e se deixar contaminar pela adulação.

O aplauso ou o elogio que ele busca, muitas vezes à custa dos outros, pode ser fruto de privação emocional ou de falta de auto-aprovação na vida pessoal. A incerteza íntima leva-o a questionar o valor de seu desempenho e a estar sempre tentando provar sua importância por meio de louvor e apoio. Sua carência de auto-avaliação é atenuada com manifestações de enaltecimento.

Mais cedo ou mais tarde, será envolvido por uma aura de fracasso, porquanto a necessidade de sucesso se torna cada vez mais intensa. Por fim, não consegue demonstrar sua superioridade e acaba frustrado.

Para que possamos compreender esse fenômeno psicológico, é imprescindível aceitarmos que "onde há uma "raposa" sedutora, sempre haverá um "corvo" seduzido; onde há um trapaceado, sempre haverá um trapaceiro". Existe nesta parceria uma retoalimentação de atitudes íntimas - a ação controla a conduta e vice-versa.

Quem adula suborna o outro. Suborno não é simplesmente dar dinheiro ou bens e terceiros com a finalidade de conseguir alguma coisa ilegal, mas, igualmente, dar fictícias qualidades, servir-se da fraqueza alheia, adultarar as possibilidades de alguém, utilizando manifestações exteriores que tendem a exagerar ou enaltecer descompensações psíquicas com o intuito de tirar algum tipo de vantagem.

Existem criaturas que se auto-enganam crendo que o comportamento dos outros é apenas um "erro bondoso" ou equivocada demonstração de afeto. De alguma maneira, tudo aquilo que não é claramente definido ou entendido estimula a repetição de atos e atitudes, quer dizer, a perpetuação de comportamentos intrusivos.

Entre a adulação e admiração há uma divegência incondicional: o que admira não adula; o que adula não admira. A adulação é uma porta escancarada para o favoritismo, mas muito estreita para aqueles dotados de autoconfiança. A vaidade é a ostentação dos que procuram lisonjas, ou a ilusão dos que querem ter êxito diante do mundo, e não dentro de si mesmos.

Moral da História

Assim como o corvo, há na sociedade homens que se deixam levar por elogios: são inseguros e desprovidos de coerência e geralmente não atingem o ideal pretendido ou não realizam seu projeto de vida. Precisariam reconhecer e valorizar seus potenciais internos, não dar importância a adulações, opniões e julgamentos alheios e entender que ninguém pode desejar ser diferente da finalidade para a qual foi criado. Uma das reações a longo prazo de conviver em um ambiente doméstico sem organização e estrutura - é que não se adquire segurança pra viver. Quem desenvolve sua individualidade não cria ilusões, pois tem as próprias razões e discernimentos diante da vida.

Reflexões sobre esta fábula e o Evangelho

"Melhor é ouvir a repreensão do sábio do que ser enganado pela adulação dos insensatos." ( Eclesiastes, 7:5)

" A lisonja é moeda falsa, que embolsamos por vaidade."

La Rochefoucauld